quinta-feira, 11 de março de 2010

Todos os órfãos de minha mãe

Existem algumas coisas em nossas vidas que nos tiram o chão e acabamos perdendo toda a nossa noção de direção, acredito que seja assim que me sinto nesse momento, com uma sensação de não ter para onde voltar. É como se eu fosse uma dessas aves migratórias, mas não soubesse para que lado é o sul, para poder encontrar um pouco de calor longe do inverno.

Não queria ter atendido ao chamado do telefone, quanto menos sair na madrugada tentando resolver burocracias relacionadas ao féretro, agradeço ao apoio amigo e presente nesse momento. Não queria, não nessa situação ser a parte forte, não por que queria consolo, mas simplesmente porque não queria aceitar. Eu queria apenas ser filho e tive que ser adulto.

Resolvidos os problemas burocráticos, documentos, horários, flores, roupas, tudo isso em meio à família, semi histérica revirando papeis, documentos e roupas do guarda roupa, é quando vem o choque real, em uma hora o corpo, sim, O CORPO, estará na sala do velório. Minha tão querida mãe, que ostenta o nome da mais bela entre as flores, era naquele momento o corpo. Finalmente lá, pronta para ser velada por seus entes, a covardia fala mais alto e tudo é desculpa para adiar o confronto, ficar face a face com a prova de que ela não estará mais ali quando eu precisar, de que não vai mais ligar quando disser que esta com saudade e nem fazer um discurso de mãe a cada vez que desligávamos o telefone.

O conjunto ficou apropriado, o detalhe rosa da camisa branca ficou bonito, o semblante era de paz, mesmo com a boca colada com super bonder, eterna paz. A beira do leito, muito mais órfãos do que eu esperava e um marido, sempre muito mais pai do que o real progenitor, não sabia como se comportar. Aquele homem que eu nunca vi chorar, mas que sempre arrumava um jeito de mostrar o quanto se preocupava, estava perdido em seus próprios atos, puxou o véu para que pudesse tocar seu rosto, debruçou sobre o corpo desfalecido e chorou, parecia estar vertendo todas as lágrimas que economizara nos vinte anos em que cumpria o papel de pai.

Cada um dos “órfãos”, estes não consangüíneos, choravam como se estivessem velando a própria mãe, o que era uma verdade absoluta, em tantos apelidos, tia Rosa, Goga, ela fora chamada de Mãe não só pelos seus quatro filhos, mas por muitos outros filhos. Aqueles que vinham em função dos bolos, sempre feitos para receber seus filhos do coração, nunca faltavam doces para estes. Não perguntavam ou esperavam ofertas, sabiam que era para eles que ela passava tempos frente ao fogão. E tinha aqueles que por suas famílias complicadas e falta de carinho buscavam refugio na casa que apelidei de “Albergue da Dona Rosa”, sempre cabia mais um filho desamparado, pelo tempo que fosse necessário ficar. Todo mundo se tornava família quando precisava de uma família, era precisar de um colo, uma palavra de carinho, um conselho, lá estava mãe rosa e seu albergue, sempre preparado a receber quem fosse.

Entre lágrimas e adolescentes passando mal, mais uma vez me perdi no sofrimento alheio em socorro a pessoas perdidas, ora em culpa pelo que fez ou deixou de fazer, ora pela falta que a segunda mãe faria, em meu socorro, minha parceira, companheira em amizade, aventuras e dor certificava-se de tempos em tempos o quão bem eu estava.

E no momento mais difícil de todo o processo, foram os mesmos “orfãos” paridos de outros ventres, mas amados e acolhidos pela minha mesma mãe que tiveram a coragem que não tive de arrastar seu caixão e acompanhar sua descida, eu , filho em minha dor escondida acompanhei ao longe a ultima homenagem prestada, por não conseguir conceber o fato como o adulto que fui nas horas anteriores.

E quando, ao retornar a casa que costumava ser meu refugio de amor, carinho, preocupações e uma série de guloseimas, me deparei apenas com um grande vazio.Todo o turbilhão de sentimentos e pensamentos que rondavam minha cabeça ficaram ainda mais confusos. “É aqui sim, mas falta algo muito importante, algo que não vou mais encontrar aqui”.

Queria um porre ou uma porrada, um outro abraço, talvez um cigarro ou alguma droga que me derrubasse.Eu só queria chorar no colo de minha mãe. Impossível!! Quando o que eu queria chorar sua própria perda.

O que me consola?

Ela só sabia o suficiente para se orgulhar de mim e dos problemas que não a preocupariam demais, para não achar que minha vida é bizarramente perfeita.

Eu sempre estive presente quando ela precisou.

Certamente muita gente mesmo, familiares ou não, concorda que ela era a melhor pessoas que passou por esse mundo.

Ela era mais amada do que muita gente provavelmente seria em uma vida de 100 anos, por seus inúmeros filhos, e principalmente por aqueles a quem ela devotou uma vida de renuncias.

Ela sabia, pelo menos duas vezes por semana o quanto eu amava, o suficiente para esperar o “Eu também te amo da próxima ligação”.

3 comentários:

ana disse...

Em pouco tempo, foi possível repensar e aprender com sua mãe como devemos levar nossa vida.
Para que deixe saudades e ensine lições até a quem não teve a felicidade de conhece-la.

Unknown disse...

Eu, como o imaturo, irresponsavel, mal educado da familia estou sentindo muita falta dessa mãe que sempre defendeu meu lado, mesmo quando eu estava sem razão ela sempre me protegeu, até agora minha ficha ainda não caiu, mas sempre que eu for precisar dela, de um abraço dela, de um "eu te amo como um filho" mesmo que fosse num churras,aniversario ou qqr outro lugar (pq estou ausente ultimamente), é dificil aceitar o fato de que para morrer basta estar vivo, ainda me pergunto se aprenderei a me defender sozinho agora!

Antonio Brito disse...

Lamento muito pela tua perda. Nada que possa dizer ou escrever pode amenizar a dor.

Abraço,